quinta-feira, julho 16, 2009

METADE


Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio

que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
porque metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio
.
Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza

que a mulher que amo seja pra sempre amada
mesmo que distante
porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade
.
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor

apenas respeitadas como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos
porque metade de mim é o que ouço
mas a outra metade é o que calo
.
Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço
e que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
porque metade de mim é o que penso
mas a outra metade é um vulcão
.
Que o medo da solidão se afaste

e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
que o espelho reflicta em meu rosto num doce sorriso
que eu me lembro ter dado na infância
porque metade de mim é a lembrança do que fui
a outra metade não sei
.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o teu silêncio me fale cada vez mais
porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço
.
Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba

e que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
porque metade de mim é plateia
e a outra metade é canção
.
E que a minha loucura seja perdoada
porque metade de mim é amor
e a outra metade também
.

Oswaldo Montenegro

1 comentário:

Miguel disse...

E porque a minha outra metade (a dominante) é silêncio, esta outra (tão esporádica) exulta pela beleza que as palavras às vezes conseguem ter.