Foi uma figura ímpar e incontornável na divulgação do cinema de animação e da BD em Portugal. Uma das figuras históricas da televisão nacional, Vasco Granja faleceu esta madrugada, em Cascais, aos 83 anos.
A sua imagem e a voz ficará para sempre no imaginário colectivo de várias gerações de portugueses graças aos 16 anos em que concebeu e apresentou um programa televisivo que, para muitos, se tornou mítico, e que era conhecido pelo nome genérico de «Animação». Exibido entre 1974 e 1990, para além de exibir todos os «cartoons» de personagens norte-americanas como Bugs Bunny, Tom e Jerry ou Pantera Cor-de-Rosa, foi uma porta de entrada em Portugal de películas animadas das mais variadas latitudes geográficas, essenciais, por exemplo, na formação da geração de animadores portugueses que hoje dá cartaz no cinema internacional.
Mas a acção formativa de Vasco Granja foi muito para além da sua actividade televisiva, sendo uma figura importante na divulgação da banda desenhada em Portugal, graças à sua participação na incontornável revista «Tintin», entre 1968 e 1983, onde, por exemplo, seria essencial na publicação em Portugal da série «Corto Maltese», então muito criticada pelos leitores. Terá sido ele, aliás, o primeiro a utilizar em Portugal o termo «banda desenhada», em substituição da expressão então corrente de «histórias de quadradinhos», num artigo do «Diário Popular» de 1966 em que adaptou para o português a designação francesa «bande dessinée».
Vasco Granja nasceu em Campo de Ourique a 10 de Julho de 1925 e percorreu desde cedo vários empregos, desde os Grandes Armazéns do Chiado à Foto Áurea, passando pela Tabacaria Travassos, cultivando desde novo uma imensa paixão pelo cinema e pela literatura, que alimentava na Biblioteca Nacional e nas várias salas de cinema da baixa lisboeta.
A partir dos anos 50, aderiu de forma intensa à actividade cine-clubista, bem como à militância no Partido Comunista Português (PCP), de que se manteve defensor até ao fim da vida. Esteve preso dois anos, na sequência de actividades clandestinas no PCP, repartido por duas vezes: a primeira em 1954, por seis meses, e a segunda em 1963, por 18 meses, em que foi submetido a torturas físicas.
Ao longo dos anos 60, começou a frequentar os meios internacionais ligados à banda desenhada e ao cinema de animação, participando em algumas das primeiras manifestações internacionais de relevo do género, deslocando-se a Annecy em 1960 para participar na primeira edição do Festival Internacional de Animação, que hoje é o maior e mais importante do mundo, ou integrando a equipa fundadora da importante revista «Phénix», dedicada ao estudo da BD.
Na sequência da Revolução de Abril, as suas actividades culturais e a sua militância na esquerda levaram ao convite por parte da RTP para fazer uma série de programas dedicados à divulgação da animação. Faria mais de 1.000 emissões, muitas vezes com dois programas diferentes por semana (um para o sector infanto-juvenil, outro para o mais adulto), ininterruptamente até 1990. Além de toda a filmografia dos «cartoons» clássicos norte-americanos (foi um dos grandes defensores de Tex Avery e da Pantera Cor-de-Rosa), apresentou também a imensa produção animada canadiana (Norman McLaren foi um dos favoritos) e de todos os países de leste, sempre com introduções que ficaram gravadas na memória dos espectadores daquela época. Muitos filmes surpreenderam pela diferença e até estranheza, mas os universos que abriram foram explorados por toda a geração de animadores nacionais que hoje andam a conquistar prémios pelo mundo fora.
Funcionário desde os anos 60 na Livraria Bertrand, onde se manteve até à reforma (sempre foi colaborador da RTP, mas nunca funcionário), foi uma das figuras de proa da revista «Tintin», publicada entre 1968 e 1983, e que publicou tudo que de melhor se editou no eixo franco-belga da Europa entre as décadas de 50 e 80, sendo uma publicação também mítica para os portugueses dessa época. Aí respondeu a cartas dos leitores e publicou inúmeros artigos, de recuperação do passado mas também de defesa de correntes mais modernas da BD e também do cinema de animação.
Reformado desde 1990, foi entretanto homenageado e premiado diversas vezes. Para várias gerações de portugueses, a imagem que dele fica é a da figura afável, de dicção inconfundível e entusiasmo transbordante, que soube mostrar que havia universos inteiros de conhecimento, na animação e na banda desenhada, para além da montra limitada que os olhos portugueses então conheciam. E mesmo quando apostou em propostas mais difíceis (o cinema experimental de McLaren, o novo estilo de desenho que Hugo Pratt veiculou em «Corto Maltese»), o tempo rapidamente se encarregou de lhe dar razão.
Vasco Granja é não só uma das figuras imorredoiras da história da televisão nacional mas, numa época em que a internet nem sequer era ainda uma miragem, um veiculador ímpar de conhecimento para várias gerações de jovens tão sedentos dele.
Que saudades que já tenho dele, cresci à espera de o ver na tv ainda a preto e branco para poder ver os desenhos animados.
A sua figura, a sua voz, é algo que jamais sairá da minha memória.
4 comentários:
Nem da minha!
Uma grande memória da minha infância
O Vídeo demonstra exactamente aquilo que nós fazíamos em frente à TV esperando que ela acabasse de falar para vermos os desenhos animados, saudades destes tempos...
Ainda me lembro da ansiedade ao ver aqueles desenhos tão esquisitos só para poder ver os melhores que davam no fim.
Como o tempo passa!
RIP Vasco Granja.
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