terça-feira, março 02, 2010

EXTRACTOS DE ALGO CHAMADO.. VIDA

Conduzo devagar nesta noite, escura e fria como as outras, tal como me sinto por dentro. Na rádio toca a “Moonlight Shadow” do Mike Oldfield, mas esta noite não tem luar, nem nada parecido. Tem taxistas aborrecidos a dissecar a liga portuguesa de futebol desde a superliga à última divisão de futebol amador, enquanto esperam que as discotecas comecem a cuspir os primeiros excessos de uma geração ansiosa por viver depressa. Tem barulhos que ninguém sabe quem os faz. Tem semáforos vermelhos que nunca mudam de cor.
Tem semáforos verdes que estão sempre vermelhos. Tem amarelos intermitentes. Tem prostitutas de cara fechada no meio da rua, a tentar perceber se um carro abrandou ou se simplesmente circula devagar, como era o meu caso. Tem tudo, mas o que tem mais, sem dúvida, são aquelas mulheres todas iguais. Os olhares são desconfiados e os cigarros fumam-se sozinhos. As roupas fora de moda tentam esconder um corpo mal despido, enquanto se arrastam em passos mal medidos entre a esquina do cruzamento e a paragem de autocarros. De quando em vez uma desaparece nas sombras do parque mal iluminado, outra é levada durante meia-hora mal medida, para depois voltar com os olhos baços e o corpo da cor do dinheiro, sempre com o mesmo cheiro. Uma mistura de tabaco e pastilha de mentol, com o perfume mais barato da drogaria.

É assim que acaba o meu dia. Somos dois dentro do carro e a noite lá fora que esconde uma rua onde ninguém passa. Amanhã a história é outra, mas hoje ainda não acabou.

De: "Suspeito do Costume"


1 comentário:

Miguel disse...

Belo texto. E para quando o resto da história, os detalhes?