domingo, julho 05, 2009

POESIA


Quando partires, às cegas,
pelas veias da cidade
,
encontrarás quem de mim
diga que estou vivo
, ou o contrário.
E quando o fizeres, ver-me-ás, sozinho,
de rosto estampado nos quadros da parede,
com as pálpebras cerradas sobre o meu peito.
Escreverei cartas
como se te desenhasse a cada palavra
,
o vento voará por mim sem que o impeça
,
e tocar-me-ei pela noite dentro
,
imaginando que estás por aqui
.
De hoje em diante,
cerro a porta do quarto para que não entres

- tenho a certeza de que te convidei, um dia, mas já não estou certo.
Apagarei cigarros em frenesim, como páginas soltas de memória
ou como lumes brandos nas copas das árvores
- imaginei tudo isto enquanto dormias,
nos teus sonhos em que o corpo era uma massa volúvel, insana e vermelha.
Hoje já é manhã
- a esta hora já acorda quem por mim não passa.
Não durmo para que
, ao chegar aonde tu estás,
possa ser uma surpresa ou desilusão

- como uma marca no peito,
como um soluço de água quando a noite cai.
Para isso estou hoje aqui, para que me entregues e para que morra.
Pela penumbra, espalhei fotografias e luas luminescentes
que olho e que gasto com a minha saliva,
como o selo desta carta.
Na minha pele ainda jaz o teu bafo quente de quando acordavas
e de quando eu te via - às escuras, nua, pelo quarto herege e quente.
De dentro dos lençóis emanava a voz que, aos nossos corpos,
se assemelhava a uma religião, a uma quase-entrega-imaterial.
E, por não te ter, me retiro para países onde o sol
se ponha e onde os olhos não me ardam
.
Para que me possa solver no meio das multidões,
onde alguém fala, onde ninguém me conhece - como uma palavra.
E em línguas estranhas me defino no livro que escreves,
dia após dia, onde te recordas, onde deixas latente quem eras
ou quem serias se, por aqui, as giestas fossem calmas
e se o teu corpo se enlevasse
- à altura do meu peito surgem marcas,
os teus dedos estão queimados
e a pele nada mais é
que um perfume mastigado
onde não estás mais
.

Sérgio Xarepe

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