segunda-feira, agosto 10, 2009

POESIA

Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque nasceu em Benguela em 1930 e morreu em Cambambe 32 anos depois. Alda Lara destacou-se como poetisa e declamadora durante a sua passagem por Portugal (Lisboa e Coimbra) onde formou-se em medicina. O marido prometeu publicar a obra de Alda Lara quando ela prematuramente morreu, da obra fazia parte este poema;

Testamento

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...

Alda Lara in "Poemas"

3 comentários:

disse...

Bem, andas muito afro literalmente. O que é optimo, porque como dizes a literatura nao tem fronteiras. Este é o meu preferido dela:

E apesar de tudo,
ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!

Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a irmã-mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto!...

A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...

A do dendém
nascendo dos abraços
das palmeiras...

A do sol bom,
mordendo
o chão das Ingombotas...

A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...
Sim!, ainda sou a mesma.

A do amor transbordando

pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11...Rua 11...)

pelos negros meninos
de barriga inchada
e olhos fundos...

Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...
E eu revendo ainda
e sempre, nela,
aquela
longa historia inconseqüente...

Terra!
Minha, eternamente...

Terra das acácias,
dos dongos,
dos cólios baloiçando,
mansamente... mansamente!...

Terra!
Ainda sou a mesma!

Ainda sou
a que num canto novo,
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu Povo!...


Bju,,,

lisluakin disse...

Gosto muito de ver que a cada dia que passa descobres mais um pedaçinho bom , interessante e cultural africano , assim tenho a certeza que és capaz de ver que ném tudo, incluindo as pessoas em áfrica e de áfrica não são como aqueles que infelizmente eu e tu nos cruzamos no nosso dia-a dia .

Alexandre Correia disse...

Caro Luís,

Adorei ler este poema. E a surpresa agradável foi reforçada ao abrir as mensagens para deixar este comentário e encontrar um segundo poema. Lindo! Quanto ao comentário de LLK, é importante esclarecer que muitos dos membros da comunidade africana portuguesa nem sequer sabem onde fica África, quanto mais têm sensibilidade para a interpretarem. De resto, em África, como na Europa e em todos os lados, há gente boa, há gente má...

Abraço,

Alexandre Correia